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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Despique da Sopeira e do Guarda!

-Fui criada, sou senhora,
Senhora do meu nariz.
Apareceram-me mil fortunas,
Desprezei-as não as quis,
Agora cai num laço,
Foi uma asneira que eu fiz.

-Se estás muito arrependida,
Diz-me quais são os motivos,
Temo-nos dado tão bem,
Temos sido tão amigos,
Só se não estas satisfeita
Por não estarmos recebidos.

-Para receber só dinheiro,
Já mudei de opinião,
Já me curei de ser tola,
Já levei grossa lição,
Mais vale ficar solteira,
Que ganhar para um mandrião.

-Isto já era de mais,
Eu para isso não estou,
Diabos levem o trabalho,
Ainda mais quem o aumentou.
Dois meses que estamos juntos,
Comer ainda não faltou.

-Não te faltou que o digas,
A mim bem me tem custado,
Faltam-me os meus objectos,
Que a servir tinha ganhado,
Agora menina cansou,
Procura por outro lado.

-Que objectos tinhas tu,
Eu não tos tenho vendido,
Dizes que tinhas muitas roupas,
Eu não tas tenho vestido,
Umas tens-las tu no prego,
Outras tem-las tu vendido.

-Tu foste o causante,
Ainda quer dizer que não,
O tipo mais comedor,
Quer ser o mais figurão,
Eu é que vendi tudo,
E quem vendeu o meu cordão?

-Esse vendi-to com o medo,
Não te enforcasse o pescoço,
Diabos levem o cordão,
Bem julguei que era mais grosso,
Quando pesei é que vi,
Deu apenas para um almoço.

-Então vinte e quatro libras,
Então isso não é nada,
É que tu eras mais rico,
Com uma farda desvotada,
Dei cabo de quanto tinha,
Ainda fazes cassoada.

Olha que vinte e quatro libras,
Custa o mais fraco derriço,
Saindo-me a sorte grande,
Ainda te dou mais do que isso,
Mas se estás muito arrependida,
Volta para o mesmo serviço.

-Agora mandas-me embora,
Desde que estou desprevenida,
Vai ver se arranjas outra,
Bem ourada e bem vestida,
Se for tola como eu,
Arranjas bem a tua vida.

-Eu ainda ontem vi uma,
Que a mim muito me agradou,
O cordão que ela trazia,
Pesava três como o teu,
Tenho cá certas ideias,
Que tudo aquilo há-de ser meu.

-Se ela tiver que comer,
Nada te parece feio,
Tens honra em ser tratante
E és amante do alheio,
Gostas de levar boa vida,
E serviste-te de um bom meio.

-Tu dizes que eu sou tolo,
Eu digo que sei viver,
Comer bem e passear,
Isto é mesmo de morrer,
Se vês que eu ando mal nisto…

Manda-me agora prender.

-Que lhe importa a autoridade,
De eu ser tola e ser comida,
Agora que não tenho nada,
É que estou arrependida,
Volto-me a ser sopeira,
Volto para a vida antiga.

-Depois rogam-me vinte mil pragas,
Para ver se posso engordar,
Vai lá ganhar mais dinheiro,
Depois volta-me a falar,
Que apesar dos teus conselhos,
Mulheres não me vão faltar.

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